A Festa do Silêncio
Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio.
As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas,
o tempo acaricia, o ar prolonga.
A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa:
a simples respiração.
Relações, variações, nada mais.
Nada se cria. Vamos e vimos.
Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.
António Ramos Rosa, in "Volante Verde"